Câmara Municipal de Vitória da ConquistaNota de Pesar
05/11/2025 15:46:00
A comunidade de Vitória da Conquista, a Bahia e o movimento negro estão em luto pela perda de Elizabeth Ferreira Lopes, carinhosamente conhecida por todos como Beta. Importante liderança social e comunitária, Beta nos deixou nesta quarta-feira (5 de novembro), mas seu legado de luta, sua liderança, resistência e esperança permanecem inabaláveis, sendo uma chama que jamais se apagará.
Beta não foi apenas uma militante do movimento social; foi a personificação da ousadia da mulher negra, causa à qual se dedicou desde muito jovem, aos 14 anos de idade. Sua trajetória confunde-se, portanto, com a própria história de mobilização e conquistas da população afro-brasileira da Bahia.
Sua liderança foi central na Associação Cultural Agentes de Pastoral Negros (APN’s), onde atuou como coordenadora-geral, transformando a organização na mais relevante do movimento negro em Vitória da Conquista e região. Os APNs, sempre sob sua orientação, foram fundamentais no debate sobre ações afirmativas e políticas públicas de reparação étnica na cidade.
No final da década de 1990, Beta fundou o Pré-vestibular Dom Climério, que mais tarde se tornaria o Dandara dos Palmares. Este projeto social se tornou um farol, contribuindo decisivamente para que quilombolas, negros e negras e estudantes de baixa renda acessassem o ensino superior.
Sua filosofia de vida estava ancorada nesta convicção: “Nós acreditamos na educação. Sabemos que só através da educação em todos os sentidos é que vem o desenvolvimento e o crescimento de todo o povo”. O Dom Climério não apenas preparou para o vestibular, mas pavimentou o caminho para a cidadania plena através do conhecimento.
A militância de Beta foi fundamental para o reconhecimento e a defesa dos direitos dos povos tradicionais. Ela foi uma força vital no trabalho de reconhecimento de dezenas de comunidades remanescentes de quilombos em Vitória da Conquista e região. Seu comprometimento foi além: os APNs, em um feito inédito, fundaram a primeira Casa do Estudante Quilombola do Brasil, denominada Zumbi dos Palmares.
Para além dos conselhos e das salas de aula, Beta compreendeu a importância de apropriação dos espaços culturais. A militância de Beta e dos APNs floresceu a partir de um contexto de efervescência de movimentos que, em Vitória da Conquista, tinham no Carnaval de rua – com seus blocos afro, batucadas e afoxés – a matriz do surgimento dos movimentos negros. Os estudos acadêmicos atestam a importância dessa carnavalização como uma prática política, um momento de rompimento do status quo, de uso do corpo e da música para afirmar a identidade e lutar contra o racismo.
Beta tinha noção de sua força como expressão cultural negra, utilizando a festa momesca não como fuga, mas como um palco grandioso de enfrentamento e de visibilidade do povo negro. A alegria e a ancestralidade desfiladas eram, em sua essência, um ato radical de resistência.
A importância de Beta extrapolou as fronteiras do movimento social para ocupar espaços institucionais cruciais. Sua militância foi profundamente interseccional, evidenciada pela atuação como Conselheira Municipal da Mulher. Neste espaço, Beta garantiu que as pautas de gênero fossem discutidas a partir da perspectiva da mulher negra, pobre e periférica, lutando contra o racismo e o machismo simultaneamente.
A sua contribuição para a política institucional atingiu um marco histórico quando ela se tornou a primeira titular da Coordenação de Políticas de Promoção da Igualdade Racial de Vitória da Conquista. Essa nomeação, fruto de anos de luta e organização do movimento negro, mais que uma vitória administrativa, foi a consolidação de que as pautas raciais e a voz do povo negro haviam conquistado um assento permanente dentro da estrutura do poder público municipal, abrindo um precedente institucional vital.
Ao se tornar Titular do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR), representando os Agentes de Pastoral Negros, Beta realizou um outro feito merecedor de aplausos: levou a voz poderosa e a vivência do interior da Bahia, de Vitória da Conquista e das comunidades quilombolas do sertão, para o centro das decisões políticas em Brasília.
Sua presença quebrou a lógica de centralização e assegurou que as políticas de reparação e igualdade fossem desenhadas a partir das realidades específicas e muitas vezes negligenciadas dos rincões do país. Sua atuação nos conselhos municipal (COMPPIR) e nacional elevou as pautas da população negra e quilombola ao mais alto nível de debate e implementação de políticas.
Elizabeth Ferreira Lopes, a popular Beta, foi uma matriarca, uma educadora e uma guerreira. Sua vida, uma luta constante, garantiu a dignidade, o acesso e a visibilidade para gerações de negras, negros e quilombolas. Sempre professora, ela nos ensinou que a luta pela identidade é inseparável da luta por direitos e que o legado de Palmares vive em cada conquista de seu povo.